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Gestão de Pessoas e a Arte do Vitimismo - Parte 3.4 (Luta-Fuga)

Atualizado: 21 de ago. de 2024



Dando continuidade a análise das hipóteses de Bion sobre o comportamento e mentalidade de grupos, chamados de "pressupostos básicos", hoje vou abordar o padrão "luta-fuga" (fight-flight), fazendo um paralelo com o mundo corporativo e suas nuances, que traz a ideia de um tipo de movimento do grupo de trabalho descrito a partir da reação de um determinado grupo como se estivesse ameaçado por um perigo e, então, devesse ou tivesse que se defender dele. Geralmente, o líder, chefe ou gestor (como se queira chamar) ou um bode expiatório, interno ou externo, tornam-se então as presas provisórias. A partir daí, ocorre o evitamento, desvio, escape das dificuldades existentes no trabalho. O indivíduo parece olhar e perceber a demanda recebida como uma ameaça e não como uma atividade do trabalho. Como exemplo de atuação, podem conversar entre si próprios sobre outras pessoas, fogem das atividades, reforçam discussões improdutivas, criam motivos fúteis para se juntarem, como se para que seja possível a continuidade ou permanência do grupo (salvemo-nos todos!), o indivíduo deve se alijar, se colocar como menos importante, abrir mão de suas próprias questões em detrimento da existência e manutenção do grupo. O lider de um grupo que assim se comporta, caso não adira às mesmas discussões improdutivas, não é reconhecido pelo grupo, é excluído, atacado explícita ou veladamente, questionado sobre o motivo de estar delegando uma determinada atividade como se aquilo não fizesse parte do escopo de trabalho do indivíduo. E aí começa, ou melhor, fica explícita o que chamo de vitimização. É claro que é possível e até muito provável que o indivíduo sequer se dê conta de seu comportamento inclusive porque, se o julgasse conscientemente inadequado, talvez não o manifestasse ou teria alguma crítica.

Bion (1975) cita o termo "cultura de grupo" para explicar características do comportamento do grupo que pareciam eclodir a partir de conflitos entre a mentalidade do grupo e os desejos, na maioria das vezes inconscientes, do indivíduo.

Desde que me debrucei para aprofundar esta teoria, há em torno de 15 anos, passei a ser capaz de identificar, sem a intenção de solucionar mas sim de tentar moderar, este comportamento não somente em grupos de trabalho liderados por mim, como em mim mesma em posição de liderança.

Minha prática de gestão é estimular a autonomia do grupo em seus diferentes níveis de hierarquia, entre pares, subordinados e líderes, com o objetivo de que possam desenvolver suas competências e habilidades não somente relacionadas ao seu prórpio trabalho mas a partir da real identificação de melhorias na produção, da identificação dos pontos de interrelação com outras áreas que, eventualmente, produzem ou fazem etapas de trabalho repetidas, por exemplo. Desta forma, é possível identificar e implementar melhorias nos processos de trabalho, redução de retrabalho e desperdícios, comunicação mais eficiente e entregas mais rápidas e bem elaboradas com maior satisfação dos clientes. Ocorre que, o interessante de se observar quando se delega uma atividade, muitas vezes em nível de complexidade aquém ou alinhado com as competências e habilidades individuais a um determinado grupo, são movimentos ou comportamentos de:

  1. Estranhamento - quando um grupo de trabalho, onde todos estão no mesmo nível hierárquico e com formações e experiências equivalentes, ao receberem a notícia de que passarão a discutir temas inerentes às suas atividades entre eles e não mais na presença da liderança (onde, consciente ou inconscientemente, há sempre a chance de ser salvo!), ocorre imediatemente um movimento que chamo de infantilização, com perguntas que, simplesmente, observando a maturidade de tal grupo, poderiam ser facilmente respondidas entre os próprios ou sequer serem feitas. Aí entra a questão do comportamento e mentalidade do grupo. A franca percepção de como se sentem ameaçados pois, a partir deste momento, terão que se comprometer entre si, discutir, defender ideias e trazer uma resposta comum para o líder.

  2. Competição - Diante de uma demanda recebida para ser solucionada, está aberta a competição! Naturalmente, cada indivíduo se questiona, se sente colocado à prova, entra em contato ou não com suas inseguranças, imediatamente é acionado o botão de mal estar com o membro A ou B do grupo, ou se sente literalmente ameaçado, em teste. Vários podem ser os desfechos. Em geral, no início do movimento, alguém naturalmente assume a liderança do grupo e outros, já acanhados ou acostumados a estarem no que chamo de tempo de espera, o famoso "de preferência me mantenha fora dessa", ficam na espreita para ver no que vai dar.

  3. Acanhamento e afastamento - Os que se mantém quietos ou afastados do propósito do grupo, em geral permenecem assim. Quando chega a data da apresentação do que foi proposto ao grupo, usualmente já existe alguém designado para falar, outro para secretariar e, incrivelmente, é transparente para o líder observador, mesmo que não haja nada explicitamente falado, quem foi reposnsável por qual atividade no grupo. Não é pouco frequente perceber que é possível que se passem várias apresentações com a mesma pessoa representando o grupo, os calados permenecerem calados sem sequer se preocuparem com isso e, ainda, eventualemte, reclamarem "de que não foram envolvidos na preparação da apresentação". Não assumem seus papéis perante seus times e simplesmente emudecem. Que fique claro que não estou entrando no mérito das ações de liderança para evitar ou identificar precocemente tais comportamentos, muito menos no trabalho de desenvolvimento pessoal e profissionals passível de ser realizado com o colaborador para que o mesmo desenvolva suas competências e habilidades.

  4. Identificação da liderança dentro do grupo - A liderança, como já disse anteriormente, é identificada ou manifestada imediatamente (natural ou intencional), mesmo no momento em que a tarefa é designada ao grupo. Basta observar as manifestações iniciais a exposição da demanda de trabalho pelo líder aos colaboradores. Ocorre que os indivíduos do grupo já trazem suas resistências naturais, intrínsecas. Há a linguagem não verbal tomando conta do ambiente, ocorrências paralelas não expostas no grupo e, o mais grave, a meu ver, quando o indivíduo adota a posição "deixa ver onde isso vai dar"... Esta liderança "natural" que nasce no grupo, também traz suas questões e, muitas vezes, reforça a posição dos acanhados e evitativos. Cabe aqui, ações para tentar neutralizar esta relação.

  5. Conflito - Os conflitos estão sempre presentes, fazem parte do processo de amadureciemnto do grupo. Movidos pelas agústias individuais e do grupo, as interelações que se formam com base na defesa individual para sobrevivência e para manutenção do emprego (diferente de manter o trabalho e já comentei que ainda escreverei sobre isso) geram um sem fim de movimentos internos, sempre buscando um ambiente univocamente favorável para que todos permaneçam e mantenham seu status quo. Os conflitos podem ser explícitos ou não. Acordos são amarrados entre os membros do grupo, ameaças veladas são combinadas ou pactuadas, silêncios ecoam...

Logo, entrar em contato com a teroria dos movimentos de grupo está longe de encontrar soluções para os problemas mas, em se tratando de pessoas e relações humanas, devemos compreender a importância do autoconhecimento, das implicações quando se é um líder que de fato se envolve com as pessoas e, quando possível, mas sem resultados absolutamente eficientes, propor um trabalho de grupo terapêutico conduzido por um profissional habilitado que crie um ambiente onde os grupos possam se manifestar no que diz respeito ao trabalho em si, tendo assim a possibilidade de compreender a dinâmica do grupo e, talvez, possibilitar momentos de consciência e melhorias perceptíveis.

Este é o mundo corporativo, onde a cultura organizacional é extremamente complexa, cheia de desvios, interesses diretos ou indiretos, muito para além do que realmente se propõem o trabalho em si.


Fonte: Livro Experiências com Grupos - W.R.Bion, 1975, Ed. Imago



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